quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Fato

Eu tentei. Tentei ser poesia ao invés de palavras tristes. Tentei correr na frente do vento e transcender os limites da mente. Tentei importunar os importunáveis e desbravar o impossível. Tentei ser rochedo ao invés de penhasco. Tentei escalar montes imaginários e cruzar os dedos em esperança. Tentei morder sorvete derretido e beber pontos e vírgulas. Escolhi ver filme em preto-e-branco e ler livros desgastados pelo uso. Escolhi o honesto em detrimento do hediondo. Preferi a meia-noite ao meio-dia. E encontrei nos beijos que me amam a história da minha vida.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Aprisionado

O rabisco começou naquela noite, sob um céu crivado de estrelas, iluminado diabolicamente por uma lua cheia amarela. Pairou no purgatório por um instante e logo ganhou forma no pensamento. Anos a fio permaneceu como um breve rascunho na mente daquela outrora jovem sonhadora e ainda hoje reina entre as obras-primas do ineditismo improvável e inconcreto. Inexato. Inestimado. Inesgotável. Talvez faça companhia a comédias dantescas ou ensaios maquiavélicos, talvez siga diretrizes machadianas ou se perca nas brumas pós-românticas. Talvez esteja esgotado entre obras medíocres e enfadonhas - e, neste caso, está muito melhor guardado no pensamento do que sob os crivos de quem o observe.

Mas, liberto das dúvidas e preconceitos que sempre o perseguiram, escolheu aquele céu estrelado para escapar. Então seguiu livre, absorto e sereno, em busca daquilo que talvez nunca alcance. Sem rumo, sem prazo, sem descanso, perseguiu a mente preguiçosa e insistiu em ser delineado. Nada. Ganhou forma somente na imaginação, tecendo suas teias infinitas de planos pouco plausíveis em um breve segundo que pareceu uma eternidade. Esperançoso, ainda aguarda por um recomeço e acredita na promessa de mudança. Mas as pessoas dificilmente mudam, porque raramente o querem de fato. Nada sensata essa crença.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Caminho

Em alguma parte do caminho, houve um desvio. E o retorno à estrada principal ficou em segundo plano, cada vez mais distante do inicialmente imaginado. O rumo foi alterado, sem que ao menos uma marca fosse impressa para que se soubesse o retorno. E os dias transformaram-se em anos, que encerram em si a dureza de não voltarem atrás. Com o tempo, a trilha perdeu-se. O destino foi alterado e a realidade não permitiu que ele batesse novamente à porta. Se seria melhor ou pior, não se sabe. Nunca se sabe dessas coisas. Nunca se sabe nada.

E a vida vai correndo. E os planos vão sendo transformados ou esquecidos, engavetados em um baú de lembranças escondido em um canto sujo e empoeirado da memória. Os sonhos vão aos poucos sumindo, ganhando outros contornos. As metas cuidadosamente escritas no papel são esquecidas e o idealismo primário cede frente ao conformismo.

Os rascunhos transformam-se em rabiscos. As conquistas retornam aos anseios. As ideias confundem-se em um véu de obscuridade. Enquanto isso, a vida passa, os anos correm, os meses emboloram-se, os dias voam e as horas atropelam-se. Os cabelos brancos teimam em sobressair sobre os que um dia já foram bem castanhos. E, subitamente, percebe-se que não se saiu do lugar. O caminho nunca existiu.

domingo, 18 de outubro de 2009

Eternamente...

Hoje estou com saudades... Saudades da infância e das brincadeiras gostosas com o pai e a mãe. Estou com saudades de um tempo em que preocupações não existiam e bastava um sorriso carinhoso para me sentir protegida. Estou com saudades de dias que não voltam mais - e isso por muitas vezes parece não ter qualquer senso de realidade. Queria poder tirar novamente um retrato com a família reunida - e sinto pesar ao constatar que não tenho nenhum guardado aqui comigo. Queria poder abraçar meus pais e sentir a tranquilidade de saber que um vai cuidar do outro.

Queria ouvir a risada gostosa da minha mãe transbordando a casa. Queria rir novamente com as infinitas brincadeiras bobas do meu pai. Queria de volta um tempo em que as coisas pareciam mais simples e que a distância não era tão maldosa. Queria a tranquilidade de uma vida de criança.

Hoje estou com saudades da pista de autorama, das empadinhas, das palavras cruzadas e dos aeromodelos. Estou com saudades da pizza com creme de leite, das aulas de geografia, das confidências entre mãe e filha. Hoje estou com saudades de uma família por perto, embora eu saiba que talvez isso nunca mais aconteça... ao menos não da forma como eu gostaria...

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Ramalhete

Eu queria um pouco menos de peso nos ombros, um pouco menos de ausências e despedidas. Eu queria guardar aqueles abraços apertados como preciosidades sinceras, que não perdem seu brilho e nem se esvanecem com o tempo. Queria que os risos sempre sufocassem os choros e os reencontros superassem a dor do adeus. Eu queria soluções simples para problemas complexos, reconciliações de quem nunca deveria ter se separado, beijos e abraços resgatados de um tempo que já não existe mais - e que eu pouco lembro de ver quando criança. Queria o poder inquestionável de fazer voltar o tempo para desfazer arrependimentos, rasgar as páginas da memória que insistem em recordar palavras que nunca deveriam ter sido ditas. Queria estar pronta para ser a pessoa que sempre pensei que seria.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Rabiscos sinceros


Encontro um velho caderno e rabisco um fino traço que inicia o contorno de um desenho. Um traço leve e delicado, que delineia um olhar perdido no infinito, com um sorriso gostoso que transborda uma alegria singela e estranhamente infantil. E mesmo que o papel não mostre, os olhos brilham o brilho de uma estrela cadente - daquele jeitinho assim deslumbrado e incontido. Como uma criança que vê em suas mãos um tesouro que tanto esperava - ou o idoso que revê o sorriso carinhoso de uma criança que um dia já foi sua. Os lábios delineiam um sorriso que se abre sem fim, sem hora pra vencer, sem data para se extinguir, congelado no tempo e no espaço de um caderno cujas folhas amareladas um dia já abrigaram os segredos infinitesimais de uma conta de matemática ou de uma velha aula de ciências.

Assim, tão simples, esse breve rabisco feito por mãos bem pouco hábeis com um desgastado lápis preto ganhou forma mais na imaginação do que no papel. E o conjunto desregrado parece gerar uma alegria marota insistente, crivada de inocência e do doce não-saber de quem vive no mundo da lua. Ai, como é bom viver no mundo da lua às vezes.

domingo, 26 de julho de 2009

Retrato em preto e branco


Se fosse cuidadosamente fazer uma fotografia neste momento, ela seria em preto e branco. E, mesmo que fosse de um sujeito qualquer, mostraria as rugas do meu rosto e da minha alma. Revelaria as minhas linhas de expressão, os sorrisos já desfeitos, os risos já sem eco ou som, as lágrimas secas que um dia passaram pela minha pele e morreram no contorno dos lábios. Encerraria em si mesma o choro e a reza, a desilusão e a esperança, a força dos anos que aos poucos embranquecem meus cabelos e desfiam as linhas secas de minhas mãos.

Mesmo que a imagem não fosse do meu rosto, ainda assim revelaria um peso estranho, daquele tipo que se sente e não se explica; que estrangula e rasga o peito, revelando contornos fugazes, sombrios, confusos e esparsos. Sem cores, sem manchas, sem desvios. Clara e crua. Escura e cruel.

Se fosse fazer uma fotografia neste momento, ela seria densa, mesmo que refletisse a leveza de um espírito. Estaria carregada de solidão e de tristeza, ainda que acompanhada de pitadas de doces alegrias e saudosas recordações. Um momento congelado, teimoso na ânsia de não ser deixado para trás. Ponto a ponto, detalhe a detalhe, teria uma imagem aprisionada em um tempo que não volta mais, que não admite reconstrução ou perdão, que foi abandonada como uma linha perdida em uma teia imensa.

Se fosse fazer uma fotografia neste instante, o preto e o branco aos poucos fundir-se-iam, construindo pequenas nuances de uma tristeza cinza.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Um espelho em um dia ensolarado

O reflexo me persegue no canto da cama; um rastro de sol me lembrando que o dia aqueceu a cidade e aconchegou a frieza noturna. Aqui dentro, a mesma coberta de ontem, o mesmo par de meias, as luvas brancas a aquecer as mãos. Na TV, um pouco mais do mesmo. Os ponteiros percorrem o velho relógio de parede, bem devagar, quase como se estivessem saboreando um delicioso petit gateau. Ainda assim, o fato de estar só não me assusta. Nem me entedia.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Possessividade


Há coisas que são minhas. Ponto. Únicas, exclusivas, íntimas. Meu pensamento, meu conhecimento, minhas convicções. Meus dias.

Sim, eles são meus - envolvem outras pessoas, é claro, mas ainda assim são meus. Podem até mesmo ser compartilhados, divididos entre as incontáveis pessoas que passam por eles. Mas, para o que me importa realmente, são meus. E eu posso fazer deles o que quiser.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Paz...

Os dias estão se atropelando... E a hora de seguir em frente e encarar a mudança também. A sensação de impotência e tristeza cedeu lugar a uma ansiedade crescente. Afinal, é uma oportunidade de um novo começo, de tentar ser diferente em tantos aspectos... Uma nova cidade, um novo espaço, novos amigos, novos trabalhos... Posso continuar sendo eu mesma, mas tenho uma chance de provar que posso ser melhor. É hora de dar uma repaginada, esquecer a acomodação, me deslumbrar com coisas novas, descobrir caminhos e horizontes.

Hoje estou em paz. Sei que serei feliz, sempre e em qualquer lugar onde esteja. Porque esse é o meu destino, esse é o meu jeito - não sei ser pessimista durante muito tempo, nem sei ficar de mau humor por mais de algumas poucas horas. E a alegria é contagiante.

Sei viver sozinha e conseguirei driblar a solidão quando ela teimar em me assolar. Saberei construir o amor ao lado de quem me ama - e a quem amo. A vida é muito curta pra nos prendermos a um lugar só - e a hora de soltar as amarras já passou há tempos. Seguirei meu caminho - sempre sabendo que posso contar com pessoas maravilhosas aqui, algumas centenas de quilômetros distante.

Adiós.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Freedom

Ser livre, soltar as amarras, desbravar territórios, ultrapassar horizontes, dar a volta ao mundo até o dia voltar pra trás. Ser forte, conhecer a vida, vencer obstáculos, alcançar o longe, envelhecer vivendo. Ser feliz, aprender com os erros, seguir em frente sem olhar para trás. Ser única, ter orgulho de si mesma, fazer algo que realmente importa. Ser confiante, cuidar do próprio nariz, aproveitar o dia. Ser dinâmica, ver a vida com olhos curiosos, aventurar-se no desconhecido. Extrapolar a razão, intensificar emoções, arriscar um pouquinho. Curtir o presente, esquecer o passado, cuidar do futuro. Amar sem limites, viver sem fronteiras. Fazer novos amigos, alçar novos vôos. Todos os dias. Todas as horas. Todos os minutos.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Transitoriedade, efemeridade


Mudanças são sempre dramáticas, especialmente em suas antecipações imaginárias. Os pesos se dividem e não há certo ou errado. O melhor e o pior são relativos, as tristezas e alegrias são maximizadas. Decisões nunca são fáceis, principalmente quando requerem urgência, mas são elas que nos fazem crescer.

Dizem que não há crescimento sem sofrimento. Mas talvez essa máxima seja apenas uma forma de aliviar a dor e de justificar as intempéries que a vida nos apresenta, dia após dia. Não sabemos o propósito de tudo e ficamos agindo como se quiséssemos adivinhar o desfecho, procurando a melhor opção para não haver arrependimento.

Sempre ouvi dizer que depois da calmaria vem a tempestade. E que depois da tempestade, vem a calmaria. Pois estou cansada desses ciclos absurdos de opostos, que se alternam cotidianamente, deixando-nos com as mãos atadas e as emoções em frangalhos. Muito riso acaba resultando em muito choro. E muito choro só nos mostra o quanto complicamos nossa existência, colocando impecilhos desnecessários e fazendo vendavais por nada.

No fim, tudo se resolve. E isto foi só pra terminar com mais uma máxima da sabedoria popular.

terça-feira, 10 de março de 2009

Frenéticos


Venda seu produto, venda sua imagem, venda sua casa, venda seu carro, venda seu cachorro, venda o filhote de seu cachorro, venda seu filme, venda seu texto, venda seu trabalho, venda seu sexo, venda suas férias, venda seu lazer, venda seu prazer, venda seu tempo, venda sua vida. A escolha é sua. A única pergunta que fica é: vale à pena?