domingo, 26 de julho de 2009

Retrato em preto e branco


Se fosse cuidadosamente fazer uma fotografia neste momento, ela seria em preto e branco. E, mesmo que fosse de um sujeito qualquer, mostraria as rugas do meu rosto e da minha alma. Revelaria as minhas linhas de expressão, os sorrisos já desfeitos, os risos já sem eco ou som, as lágrimas secas que um dia passaram pela minha pele e morreram no contorno dos lábios. Encerraria em si mesma o choro e a reza, a desilusão e a esperança, a força dos anos que aos poucos embranquecem meus cabelos e desfiam as linhas secas de minhas mãos.

Mesmo que a imagem não fosse do meu rosto, ainda assim revelaria um peso estranho, daquele tipo que se sente e não se explica; que estrangula e rasga o peito, revelando contornos fugazes, sombrios, confusos e esparsos. Sem cores, sem manchas, sem desvios. Clara e crua. Escura e cruel.

Se fosse fazer uma fotografia neste momento, ela seria densa, mesmo que refletisse a leveza de um espírito. Estaria carregada de solidão e de tristeza, ainda que acompanhada de pitadas de doces alegrias e saudosas recordações. Um momento congelado, teimoso na ânsia de não ser deixado para trás. Ponto a ponto, detalhe a detalhe, teria uma imagem aprisionada em um tempo que não volta mais, que não admite reconstrução ou perdão, que foi abandonada como uma linha perdida em uma teia imensa.

Se fosse fazer uma fotografia neste instante, o preto e o branco aos poucos fundir-se-iam, construindo pequenas nuances de uma tristeza cinza.

Um comentário:

Agatha disse...

Se a fotografia for bonita como o texto, já vale a tristeza.