sexta-feira, 31 de outubro de 2003

Dia da caça


Sim, hoje é o dia da caça, o dia em que eu não tenho medo de nada, em que quebrei as barreiras que me cercavam e a redoma de vidro se alargou. Hoje já é o futuro. Já é o dia em que sou MULHER, que amo minha feminilidade e que não sou caça de ninguém. Sim, hoje é o meu dia. Dia de me sentir mais amada, mais decidida. Dia de não esperar, mas de buscar o que quero. Dia de não lamentar. Dia de me sentir em paz até mesmo com minha preguiça. Hoje é dia de acordar bem tarde e de fazer o que eu quero. Hoje é o dia da caça ir atrás do caçador...

Fragmentos...

Fechei os olhos e relembrei tantas palavras já faladas, já escritas... De todas, o eterno tempo, carrasco, impetuoso e estranhamente humano, parece ser a mais constante. "... e o tempo come o meu tempo, se divertindo em um eterno exercício de autofagia..." Esse é meu discurso há tempos - e creio que continuará sendo eternamente. Mas a consciência da minha impotência me deixou mais sábia. Ou mais morna. Decidi me calar frente à certeza de minha ignorância - algo que me devora e incomoda.

Na verdade - e já mudando de assunto, embora ninguém entenda realmente isso -, a impotência e a ignorância me transformaram em uma pessoa mais fria, ao menos aparentemente. A resignação de aceitar uma condição sobre a qual não tenho controle me deixa estagnada. E eu não sei por onde começar a cortar as amarras que me prendem a uma realidade tão diferente e distoante do que sempre planejei.


Palavras de Drummond:

"Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para diante vai ser diferente."

Sim, já estamos novamente no limiar da chegada de um novo dígito ao milênio. E nem parece que ultrapassamos a barreira dos três zeros. Talvez eu pareça hoje um tanto quanto rebuscada, embriagada em meio a frases que há muito querem ser colocadas ao relento. Mas, como já diz o ditado, meias palavras são suficientes ao bom entendedor. Ou deveriam ser.

Já de olhos abertos, retorno à segurança do meu quarto, cercado por quatro paredes brancas e frias que nem sequer relembram como é acordar sob o sol quente. Preciso reaprender a sentir e a sonhar. Preciso da taquicardia do amor. Quero um banho frio, que me desperte da latência invariável que marca o inverno. Estou no meu inverno. Quebrem os relógios, fechem as cortinas, esqueçam do amanhã. E me deixem dormir em paz.

O pássaro e a asa quebrada

Minha poesia já não é mais a mesma. Meus dedos, ágeis e vorazes, já não lembram a doçura da criança. Minhas mãos já não denotam ingenuidade. São firmes, tenazes, determinadas. Quase tanto quanto gostaria que fossem. Já não tremem mais, já não se escondem ou se enervam. Sabem o que querem.

Minha poesia se perdeu nos anos que a maturidade trouxe. Minhas palavras já não expressam mais a insegurança ou o eterno universo enfadonho de adolescente. Reclamações e desesperanças me irritam. Quero mais do que simplesmente ser um ser ao relento, desenganado com a solidão ou então inerte e à mercê das desilusões. Sou - ao menos tento ser - forte. Sou - ao mesmo tempo - frágil. Um eterno paradoxo, como linhas paralelas que nunca se cruzam mas fazem parte de um mesmo traçado. Sou, como costumo dizer, o exemplo perfeito de um ser humano, com contradições encerradas em mim mesmo ao mesmo tempo em que a coesão me torna adulta. Meu lado criança não é tolo. Meu lado criança é apenas brincalhão, longe das ingenuidades ou da inocência que muitos guardam. Bom? Ruim? Perguntas nem sempre encerram respostas satisfatórias. Ou nem mesmo têm verdadeiras soluções. Tal como as demais coisas do universo, eu sou. Apenas sou. E mais do que qualquer coisa, esse apenas significa muito. Significa que tenho vida, que tenho amor, que tenho medo, que tenho tudo. Que tenho nada, que tenho sorte, que tenho alma, que tenho vida.

Vou vivê-la.