segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Sono: uma luta

Miragem, vertigem, alucinação. Os olhos, que mal abrem para ver o mundo acontecer, se fecham em um milésimo de segundo eterno. Plumas, vento, cachecóis; sorrisos ao acaso, lágrimas de paixão, eternidade. Um surto, um curto, uma cor intensa. Olhos que se abrem, mesmo que fechados. Mais lágrimas, daquelas que escorrem pelo rosto e lembram aquela sensação de dormência e de areia no rosto. Pela metade, são olhos que já não distinguem mais as palavras à frente. Elas se misturam, se fundem, criando uma linguagem inusitada e completamente ininteligível. As pálpebras se atraem, mas os olhos precisam de força para permanecerem abertos. Mais uma piscadela. Mais uma eternidade de sonhos finitos e estranhos. Um arco-íris de tecidos se fundindo, uma ilusão de ótica me engolindo. O frio me envolvendo e a escuridão à espreita. E a consciência de que ainda há muito a ser feito. 

quarta-feira, 23 de março de 2011

Desvios e surpresas


Uma pausa, uma vírgula. Um pequeno estalido. Um apito incessante no ouvido. Um desvio na rotina, uma curva no meio da estrada. Um consolo aconchegante, uma conversa amiga. Uma saudade até gostosa. Um dia de chuva para lavar a pele. Um dia de choro para clarear o olhar. Um sol intenso em uma semana nublada. Um sorriso para acalentar a alma. Uma noite de frio para sentir a pele do outro. Um banho gelado para aliviar o calor. Um detalhe assim diferente, pequeno, distraído. Um coração desenhado em um livro, um beijo jogado ao vento. Um bilhete de despedida, um abraço de reencontro. Uma recordação inesperada da infância, um vislumbre prematuro da velhice. Um pouquinho mais do dia de hoje, um pingo de café na blusa branca, um gosto de chocolate com doce de leite e um sonho de manter tudo sempre assim. Sereno. Eterno. Feliz.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Se foi

Tal como uma planta, amizade também seca. Basta parar de regar.

Não é sempre, mas às vezes dá aquele nozinho na garganta ao lembrar de pessoas tão importantes para mim com as quais (quase) não tenho mais contato.

E o que afasta não é a distância. É a falta de disposição, de envolvimento, de interesse. É a falta de resposta. É o adiamento dos contatos.

E assim a malha cuidadosamente tecida vai soltando seus fiapos, os fios são puxados e a linha fica solta.

Dá pra remendar?

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Retratinho gostoso

Adoro quando meus pés encontram os seus na noite fria.

Um corpo que abraça o outro até mesmo em pensamento, mesmo no sono mais profundo.

***

sábado, 29 de maio de 2010

Óleo sobre tela

Como um pintor que admira um painel inacabado de uma primavera distante, os dedos envelhecidos buscaram alívio em contos escritos por outras mãos. Encontraram a leveza e o bom-humor de quem ainda não passou por agruras e tiveram a ilusão de que poderiam voltar a ser úteis de destemidos.

Com um tímido comichão, ensaiaram algumas letras em um espaço vazio, prometendo exercícios frequentes e frenéticos. Mas estavam enferrujados - não dispunham de tanta destreza como outrora esbanjavam. As palavras fugiam à breve menção de serem tocadas por eles e os parágrafos amontoavam-se, tentando escapar da árdua tarefa de integrar tão frívolo e vão testemunho.

Os dedos tentaram desesperadamente ditar as impressões que os olhos haviam devorado avidamente. Prometeram descrever o indescritível, desafiaram o vocabulário e enfim morreram em pontos finais inexpressivos.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Resgate


Chuva cinza 

A chuva é o vazio.

O vazio é o antes, o sonho, a tristeza, o incompleto, o indefinido... O vazio era o mundo antes de você, era a expectativa e a esperança, era a incógnita e a solidão. O vazio era poema também, pois, como para todo poeta, meus desabafos fixaram-se no papel, agarraram-se às linhas, desprenderam-se da mente, tornando-me o que sou hoje, livrando-me um pouco de seus pesos, permitindo meu sorriso, quase sempre fixo em meus lábios. O vazio era não ter você, era não saber o que é o amor e o que é ser amada.

Mas a chuva também é boa. Traz crescimento, flores, frutos. Desabrocha as cores, constrói e fortifica. Foi a chuva que me amadureceu e me fez o que sou. Se não tivesse enfrentado o vazio, não saberia identificar o completo. Se não aprendesse o que é a solidão, não saberia reconhecer o amor e o companheirismo.

Chuva cinza, escura, fria. De um cinza que aos popucos cedeu espaço às cores que um dia você trouxe à minha vida.

terça-feira, 30 de março de 2010